O-lá!
Até bem pouco tempo, raramente se ouvia falar em autismo, não é mesmo? Isso porque era considerada uma disfunção muito rara. No entanto, estudos recentes divulgados em 2023 indicam um aumento significativo no número de casos, com uma ocorrência a cada 36 crianças. Surge a dúvida: será que houve um aumento real de casos, ou os estudos sobre autismo e diagnósticos mais acessíveis estão alcançando a população até então desassistida? Este é um dos pontos que vamos explorar neste texto.
Contextualizando Estatísticas:
As estatísticas mencionadas anteriormente provêm do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos. Vale notar que esses dados geralmente são divulgados com pelo menos três anos de atraso em relação ao período de coleta, ou seja, este estudo é de 2020.
É importante salientar que, mesmo sem dados estatísticos específicos para a população brasileira, é viável utilizar as estatísticas do CDC como ponto de referência para compreender o que está acontecendo em nosso país.
Explorando o Aumento de Casos:
Alguns podem sugerir que enfrentamos uma epidemia ou que o autismo “virou moda”. No entanto, o aumento no número de casos pode ser explicado quando estudos evidenciam que o autismo sempre fez parte da nossa sociedade, mas anteriormente era erroneamente confundido com outras condições, como a esquizofrenia.
Além disso, a escassez de informações era um fator contribuinte para a subnotificação de casos. Atualmente, pais, profissionais da saúde e educadores estão consideravelmente mais bem informados, embora seja importante ressaltar que isso não implica que as informações disponíveis sejam totalmente abrangentes.
Complexidade Genética e Diagnóstico:
A causa do autismo ainda não está clara. Conforme Gadia (2007, p. 426) observa: “Hoje se sabe que o autismo é um transtorno genético complexo que ainda deve ser mais esclarecido.”
O autismo é um espectro de um distúrbio, e a avaliação é multidisciplinar. Não é possível, por exemplo, diagnosticá-lo por meio de exames laboratoriais. O primeiro profissional que pode auxiliar a família é o pediatra, ao ouvir dos pais, entre outras queixas, que o filho tem pouco contato visual, está apresentando atraso no desenvolvimento da fala, não responde quando seu nome é chamado, prefere brincar sozinho (às vezes até fica junto de outras crianças, mas não interage com elas), apresenta movimentos repetitivos, estereotipados (como balançar e girar os dedos, agitar as mãos ou a cabeça), tem reações perceptíveis a sons, luzes, toques e até texturas de roupas e alimentos (que, inclusive, pode dificultar a troca do leite pelos primeiros alimentos sólidos).
Além disso, a criança pode apresentar rituais fixos, dificuldade em lidar com quebras de rotina e imprevistos, propensão a enfileirar objetos e um interesse persistente e intenso em um tema ou objeto específico. Esse interesse pode perdurar por períodos prolongados, variando de anos, meses a semanas, antes de ser substituído por outro tema ou objeto.
Diversidade no Espectro Autista:
Vale salientar que a presença de alguns desses comportamentos em uma criança não implica necessariamente autismo. Além disso, esses comportamentos não são universais em todos os indivíduos autistas e podem existir outros não mencionados. Respeitar a singularidade de cada criança autista é crucial, dada a diversidade do espectro, com comportamentos variando amplamente entre pessoas. Por exemplo, meu filho é autista, mas não exibia o comportamento de enfileirar objetos na infância. Assim, destaco a importância de uma avaliação multidisciplinar criteriosa. Diagnósticos rápidos… eu desconfiaria!
Importância da Intervenção Precoce:
É fundamental buscar a expertise de profissionais especializados no campo do autismo, como neuropediatras, fonoaudiólogos, neuropsicólogos e psicopedagogos, entre outros, a fim de iniciar precocemente intervenções essenciais. Ressalto a importância de selecionar profissionais que tenham dedicado tempo e esforço ao estudo específico do autismo.
Embora alguns especialistas possam ser excelentes em suas áreas, aqueles que não se dedicam especificamente ao autismo podem enfrentar desafios no diagnóstico e na implementação de intervenções, comprometendo assim o processo essencial para o desenvolvimento pleno das crianças. Além disso, é imperativo que esses profissionais também demonstrem sensibilidade e empatia, pois essas qualidades desempenham um papel fundamental no estabelecimento de vínculo e no suporte efetivo às necessidades das crianças autistas.
Variedade de Abordagens e Respeito à Singularidade:
Como psicomotricista relacional, defendo que essa abordagem também é excelente e sugiro verificar se há profissionais desta área em sua cidade.
De qualquer modo, em minha modesta opinião, é essencial investigar o histórico do profissional encarregado de atender a criança, buscando referências confiáveis. Independentemente da escolha da abordagem, é preciso adaptar a intervenção para atender às necessidades individuais de cada criança. Como ressaltado por Sacks (1997, p. 251): “O abstrato, o categórico, não é do interesse da pessoa autista – o concreto, o particular, o singular é tudo.”
Perspectivas Positivas e Compreensão:
É essencial refletir sobre a propensão humana em buscar falhas, mesmo quando há inúmeras possibilidades a serem descobertas. Grinker (2010, p. 296), antropólogo e pai de uma criança autista, destaca essa complexidade ao afirmar: “[…] com frequência é difícil compreendermos que o que precisamos tornar visível não é a escuridão, mas a luz.”
Por isso, não devemos temer o diagnóstico e nem romantizar. Lidar com a verdade é, de fato, a melhor maneira de encontrar meios para enfrentar os desafios.
No processo de avaliação do progresso, torna-se crucial evitar comparações diretas entre crianças, pois isso pode destacar apenas suas deficiências. Contudo, ao optarmos por analisar o desenvolvimento de uma criança em relação a si mesma, abrimos as portas para a descoberta de um vasto mundo de possibilidades.
Encerro este texto com uma citação de Grinker (2010, p. 212), que, para mim, mãe atípica, carrega grande significado: “Em uma família onde o autismo está presente, as expectativas são diferentes, os acontecimentos têm significados distintos e há até mesmo um tipo de felicidade diferente.”
REFERÊNCIAS:
BARNETT, Kristine. Brilhante: a inspiradora história de uma mãe e seu filho autista. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
GADIA, Carlos. Aprendizagem e autismo. In: ROTTA, Newra Tellechea; et al. Transtornos da aprendizagem: abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.
GRINKER, Roy Richard. Autismo: um mundo obscuro e conturbado. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010.
ROBISON, John Elder. Olhe nos meus olhos: minha vida com a Síndrome de Asperger. São Paulo: Larousse, 2008.
SACKS, Oliver. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. 13. reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
TENENTE, Luiza. 1 a cada 36 crianças tem autismo, diz CDC; entenda por que número de casos aumentou tanto nas últimas décadas. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2023/04/02/1-a-cada-36-criancas-tem-autismo-diz-cdc-entenda-por-que-numero-de-casos-aumentou-tanto-nas-ultimas-decadas.ghtml. Acesso em: 31/10/2023.
3 Comentários
Amei este texto!
Todos nós temos necessidades em algumas áreas e em outras muitas facilidades.Vamos aprender a respeitar as pessoas como elas são, assim o mundo vai se tornar melhor e podemos todos viver juntos com mais harmonia.
Beijos
Ruth
É isso mesmo Ruth. Obrigada por sua visita.
Bjs
Solange
Adorei o texto.
Cada um é um ser em especial…sem comparoções
Um abraço
Sandra
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